quarta-feira, 4 de julho de 2007

Agentes de trânsito não multam, autuam.

ROGÉRIO EVANGELISTA TAQUES

Na última semana, tive a oportunidade de acompanhar uma enquete, no site de um jornal de grande circulação na capital de mato grosso, que fazia a seguinte indagação a seus visitantes: “O que você acha da atuação dos ‘Amarelinhos’ em Cuiabá?”. Questionava-se, se na opinião dos leitores do jornal, a atuação dos Agentes de Trânsito da Prefeitura era “boa”, “ruim” ou “péssima”.

Ao final da pesquisa, os Agentes de Trânsito alcançaram o patamar de 60% de aprovação. No entanto, outros 40% avaliaram de forma negativa a atuação dos servidores.

Ainda a respeito dos fiscais de trânsito, acompanhei, também na semana passada, um desses programas televisivos apresentados por político da capital, o qual também se dedicou a questionar à “população cuiabana” - motoristas - o que achava do “’Amarelinho’ que multava sem fundamento?”; “do ‘Amarelinho’ que multa sobre árvores, escondido atrás de postes?”; enfim, o que o cidadão condutor achava “da atuação desses ‘Amarelinhos’ que aplicavam multas injustamente?”.

Bom... A resposta para os questionamentos acima, não é preciso nem dizer, uma vez que saltam os olhos o formato tendencioso das perguntas realizadas pelo “repórter” entrevistador.
Enquanto cidadão, cuiabano, técnico da área de fiscalização e estudioso da lei de trânsito, me sinto no dever de tecer algumas linhas, com o objetivo de esclarecer a atuação destes servidores públicos, mais especificamente no que diz respeito à atividade de fiscalização de trânsito, já que é exatamente nesse ponto que reside a insatisfação de uma minoria.

Quando falamos, por exemplo, “os Amarelinhos estão multando” ou “fui multado por um Amarelinho”, cometemos um ledo engano. A estes servidores cabem, dentre outras atividades, a de registrar (autuar) a conduta contrária à lei de trânsito, através do competente Auto de Infração (Art. 280, do Código de Trânsito Brasileiro de 1997), mas não a prerrogativa de impor penalidades.

Na verdade, o Auto de Infração de Trânsito editado pelo agente público “Amarelinho” se presta a dar início ao Processo Administrativo de Trânsito, podendo ser lavrado de duas formas: com abordagem e assinatura do infrator (equivale, nesse caso, a Notificação da Autuação) ou, em não sendo possível, sem abordagem, como ocorre, geralmente, nas infrações de circulação e de estacionamento com condutor ausente. Lavrar o Auto de Infração de Trânsito diante do ilícito não consiste em uma mera faculdade do agente público competente, mas sim em inolvidável vinculação.

Na autuação sem abordagem, faz-se necessário que o órgão de trânsito expeça a Notificação da Autuação - também conhecida como Notificação do Cometimento da Infração (Resolução nº 149/2003 do Conselho Nacional de Trânsito) - ao proprietário do veículo, para que o mesmo apresente a Defesa da Autuação (defesa prévia), ou indique quem estava na condução do veículo no momento e local da infração anotada.

A Defesa da Autuação – que se dá após a lavratura do auto de infração e antes da imposição da penalidade (Resolução nº 149/2003 do Conselho Nacional de Trânsito) - é o momento adequado para o condutor (ou proprietário) do veículo demonstrar possíveis irregularidades ou inconsistências (formais ou materiais) do auto de infração, bem como provar o não cometimento da infração (dada à presunção de veracidade do agente), ou ainda apresentar os possíveis motivos que o levaram, inesperadamente, a cometê-la (causas que possam excluir a infração).

Apresentada, ou não, a defesa, caberá à Autoridade de Trânsito o Julgamento do Auto de Infração lavrado pelo agente e a tomada da decisão pela imposição, ou não, da penalidade de trânsito (art. 281, do Código de Trânsito Brasileiro de 1997).

Nesse sentido, quem multa (penaliza) é a Autoridade de Trânsito, ou seja, o Secretário de Trânsito e Transportes Urbanos da Capital. Os “Amarelinhos” de Cuiabá não multam, apenas registram os ilícitos de trânsito que presenciam.

A autuação do Agente de Trânsito deve ser vista como uma acusação, e não como uma sanção de natureza pecuniária. Pelo menos assim é entendimento de Sidney Martins (2003), Arnaldo Rizzardo (2004), Nei Pires Mittidiero (2005) e de muitos outros juristas que se dedicam a estudar o Código de Trânsito Brasileiro (Lei Federal Nº 9.503 de 1997).

Se estiverem sendo impostas “multas injustas” a alguns condutores/proprietários de veículos, penso que se deva verificar como acontece a triagem, o processamento da notificação e, por fim, a atividade de julgamento do Auto de Infração de Trânsito lavrado pelo “Amarelinho”.
Corrigindo as possíveis falhas do sistema, poder-se-á evitar penalizações injustas e garantir, efetivamente, a punição dos infratores. Dessa forma, estar-se-á alcançando os fins a que se propôs a administração pública, dentre os quais, o de legitimação do poder.

Por fim, ao dizer que “os Amarelinhos aplicam multas”, além de estarmos cometendo uma impropriedade jurídica, estamos subtraindo do sistema toda uma série encadeada de atos administrativos - editados por agentes públicos distintos, de competências distintas – que, se não forem legalmente produzidos, impossibilitam a correta imposição da penalidade de trânsito, seja ela qual for. “Multas injustas” podem existir, assim como podem existir penas judiciais também injustas. No entanto, é cabível recurso em ambos casos.

ROGÉRIO EVANGELISTA TAQUES
Agente de Regulação e Fiscalização da Prefeitura de Cuiabá
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso
Autor do TCC – Processo Administrativo de Trânsito: Constitucionalização do Julgamento da Autuação.

3 comentários:

Anônimo disse...

Se a população soubesse dos trâmites da autuação, teríamos muito menos problemas. Informação é a base de tudo.

Unknown disse...

Eu gostaria de ter acesso a seu TCC, ou um estudioso da legislação de trânsito, poderia trocar algumas idéias e se possível discutir algumas dúvidas. O rigor na fiscalização do trânsito é vital para a segurança mas deve respeitar o devivo processo legal garantido ao cidadão constitucionalmente.

Rogério Taques disse...

Rodrigo, meu e-mail é "rogerio-taques@bol.com.br". Rogério Taques