sexta-feira, 19 de junho de 2009

O passeio, a calçada e o trânsito em Cuiabá

Antes mesmo da entrada em vigor do Código de Trânsito Brasileiro em 1998, nos acostumamos a ver uma situação corriqueira nas cidades : o estacionamento sobre as calçadas. Nas cidades cada vez mais abarrotadas de veículos automotores - leia-se : aqueles que possuem motor - assistimos a uma invasão das calçadas por essas máquinas que entram e saem das calçadas como se estivessem em plena pista: há pressa, muita pressa!

Há motos que trafegam em alta velocidade pela calçada, em meio a pedestres acuados. Lojas de pequeno e grande porte reservando vagas na calçada com os dizeres "exclusivo para clientes em compras". Máquinas vorazes, estacionando, parando, enfim, se apossando de um espaço que não lhe pertence. Melhor dizendo, homens e mulheres vorazes, que com seu comportamento individualista e anti social tornam cada vez mais inseguro a forma de deslocamento mais natural do ser humano: ir e vir a pé.

Se na calçada não há espaço para o pedestre imagine em meio ao trânsito frenético de carros, motos, ônibus e caminhões na pista. Curiosamente o CTB não prevê infração por estacionamento sobre calçada. Em todo Artigo 181, que trata de infrações de estacionamento, não se faz nenhuma menção ao estacionamento "na" ou "sobre a calçada". Já ouvi pessoas que afirmaram categoricamente que " se deixar meio metro pro pedestre passar já tá bom!". Um exemplo disso é o trecho da Av. Ten. Cel. Duarte próximo ao Morro da Luz, no centro de Cuiabá e em outros pontos da cidade em que pedestres tem que disputar espaço com ônibus na pista para desviar dos carros estacionados no passeio, na iminência de acontecer um atropelamento fatal. (confira as imagens no link http://transitocuiaba.blogspot.com/2009/06/estacionamento-irregular.html) Então pode estacionar na calçada se deixar meio metro pro pedestre? Que absurdo! À primeira vista temos a impressão que "passeio" e "calçada" são espécies totalmente diversas, e que o estacionamento sobre calçadas não constitue infração, mas o que o Código de trânsito diz sobre isso?

No Capítulo XV das infrações da Lei 9.503/97 - Código de Trânsito Brasileiro encontramos a seguinte redação :

"Art.181 -Estacionar o veículo:
(...)
VIII - no passeio ou sobre faixa destinada a pedestre, sobre ciclovia ou ciclofaixa, bem como ilhas, refúgios, ao lado ou sobre canteiros centrais, divisores de pista de rolamento, marcas de canalização, gramados ou jardim público:

Infração - grave

Penalidade - multa

Medida administrativa - remoção do veículo"

Num exame mais apurado do CTB no anexo 1 - Dos Conceitos e Definições temos as seguintes definições de VIA, CALÇADA e PASSEIO que serão úteis a esclarecermos essa dúvida.

VIA - Superfície por onde transitam veículos , pessoas e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro central.

CALÇADA - Parte da via, normalmente segregada e em nível diferente, não destinada á circulação circulação de veículos, reservada ao trânsito de pedestres, e , quando possível, à implantação de mobiliário urbano, sinalização, vegetação e outros fins.

PASSEIO - Parte da calçada ( ou da pista de rolamento, neste último caso, separada por pintura ou elemento físico separador) livre de interferências, destinada á circulação exclusiva de pedestres, e, excepcionalmente, de ciclistas.

Numa leitura mais detalhada da definição de PASSEIO fica evidente sua existência na calçada, e onde esta não exista (como no caso das rodovias) na pista de rolamento.

Em combinação com a definição de calçada fica evidente que qualquer veículo (carro, moto, caminhão, ônibus, etc) é um invasor daquele espaço reservado ao trânsito de pedestres, mesmo que se trate de uma calçada larga. Há de ficar esclarecido que no passeio não há um sentido obrigatório de circulação de pedestres, sendo permitido a eles deslocar-se em qualquer direção, de maneira tal que qualquer veículo ali presente invade o espaço que é por direito do pedestre.

Em outras palavras TODA CALÇADA É PASSEIO (na totalidade e qualquer tipo) não importando se o veículo que ali estaciona deixa um ou mais metros para uso do pedestre.

Cuiabá é uma Cidade de excepcional beleza natural com um povo acolhedor, alegre e trabalhador. Futura sub-sede da Copa do Pantanal, de clima quente, mesa farta, rica cultura regional, motivo de tanto orgulho para nós cuiabanos de nascimento ou de coração.

No entanto, precisamos deixar de lado velhos vícios provincianos e abraçar a onda de progresso e modernidade que a Copa do Pantanal trará. Implantando-se de vez o conceito de mobilidade urbana em nossa cidade. Com o nosso Poder Público Municipal, nossos cidadãos comerciantes e motoristas garantindo ao pedestre o uso dos passeios públicos.

Que seja nosso o sonho uma Cuiabá modelo em respeito ao meio ambiente mostrando ao mundo nosso Pantanal. E uma questão de honra para o poder público o respeito aos direitos do ser humano nas vias da Capital.

Marcos Silva de Sousa é Servidor Público Municipal, Graduado em Administração pela UFMT, Especialista em Gestão Pública pela FAUC e palestrante de trânsito em Cuiabá -MT.

2 comentários:

Ives Ávila disse...

A definição diz que passeio é PARTE da calçada e você logo abaixo diz que passeio É calçada.

Você está certo pela definição. Se é parte de algo então é algo, mas não O TODO de algo. Tanto que se pode usar parte da calçada para passeio e parte para

ciclovia/ciclofaixa.

A seguir o seu raciocínio de que toda a calçada é passeio então posso dizer que é tudo via já que calçada pela definição da lei é parte da via. Logo, poderia

circular lá também e tudo mais do que é permitido para a via. A definição é geral. Para o uso específico devemos buscar a finalidade da lei. Se eu tenho uma

calçada de 4 metros e usar 2 metros para parar meu carro sobram 2 metros para passeio. Ainda teremos 2 metros para os pedestres e ainda tenho PARTE da calçada

destinada aos pedestres. A função da lei será atendida pois ainda teremos, dependendo do movimento, de espaço suficiente para trânsito de pedestres. E veja que

quando há vegetação, esta, em muitos lugares, toma mais de 2/3 da calçada, sobrando pouco para o passeio. Em grande parte das vezes o interesse parece ser

arrecadatório já que não há a remoção do veículo, medida administrativa prevista.

Por que o legislador definiria o conceito de via, calçada e passeio usando a palavra PARTE DA se fosse para definir o todo? É porque depende da situação. Uma

calçada pode ter passeio, ciclofaixa e, quando possível, a implantação de mobiliário urbano, sinalização, vegetação e OUTRO AFINS. Repare que o legislador

deixou em aberto OUTROS AFINS.

A proibição é para não permitir, no geral, a circulação. Mas ocorre circulação, no específico, nas entradas de estacionamento dos lotes lindeiros. Portanto,

quando tudo o mais for atendido, ou seja, espaço suficiente para o passeio, em função do volume de pedestres, pode-se colocar mobiliário urbano, vegetação e

outros usos (OUTROS AFINS).

A lei não proibiu explicitamente "não pode estacionar na calçada". Definiu a infração NO passeio. E definiu passeio. Não foi definido em lugar algum que calçada é passeio e sim que é parte de e não é a mesma coisa que afirmar que se pode intercambiar os conceitos.

Salvo melhor juízo, esse é o meu entendimento, com o pouco tempo e espaço de que dispunha, já que é apenas um comentário.

Ives Ávila.

Marcos disse...

Note que na figura temos um corte esquemático da área que o CTB define como VIA.
http://www.aracaju.se.gov.br/thumb/cache/phpThumb_cache_www.aracaju.se.gov.br_src5f7b4100afd9c839da19aae1e9173703_parbff0ab9012c9c3524b231e23d62711a2_dat1345221014.jpeg

A VIA contém a CALÇADA, que por sua vez contém o PASSEIO(na maioria das vezes)O Mobiliário urbano, Arborização, etc.

O Leito Carroçável mais conhecido como pista de rolamento é dividido em faixas contíguas, cuja aquela mais á direita serve aos fins de estacionamento, podendo ser paralela á guia, ou com inclinação de 45°, 60° ou 90º em relação ao fluxo de veículos, mas sempre no leito carroçável.
O passeio pode existir onde não há calçada e como explicar isso?