As ciclovias exercem um grande fascínio sobre a população em geral, em especial nos ciclistas leigos. A crença que só a segregação do ciclista em relação ao trânsito proporciona segurança no pedalar é muito enraizada. A realidade apresentada por pesquisas mostra que não é bem assim. Não resta dúvidas que ciclovias têm qualidades, mas não existe milagre e elas também apresentam seus pontos fracos. Talvez o ponto mais forte do conceito ciclovia esteja no imaginário das pessoas.
Ciclovia é uma dentre várias opções técnicas de segurança de trânsito para melhoria da vida do ciclista. Ela pode ou não ser a opção mais segura ou apropriada. Em várias situações é mais apropriado ter faixas para ciclistas, sinalização, trânsito partilhado ou mesmo não fazer absolutamente nada. Em cidades de pequeno porte ou no interior de bairros onde o trânsito é de baixa velocidade e tranquilo, ciclovias provavelmente são totalmente desnecessárias.
A matemática é simples: a quase totalidade dos acidentes envolvendo ciclistas acontece em cruzamentos, portanto resolvendo estes pontos, o índice de acidentes envolvendo ciclistas praticamente zera. E aí vem o detalhe: não existe ciclovia sem algum tipo de cruzamento.
Mas há outros fatores a ponderar antes de optar pela ciclovia. Para criar uma via apropriada é necessário tirar espaço de alguém, seja dos veículos motorizados ou até mesmo dos pedestres, o que faz com que processo de implementação seja realizado no mínimo com alguma espécie de atrito.
Ciclovia é sempre a opção mais complicada de ser implementada e a mais cara. Os custos de sua manutenção também devem ser levados em consideração ou então o dinheiro investido será jogado no lixo.
A verdade é que a opção pela ciclovia pode simplesmente tornar a questão da bicicleta inviável.
Ciclovias são interessantes? Muito interessantes. Ninguém põe em dúvida o impacto que elas criam na cidade e na população em geral e, este é seu ponto mais forte. A imagem inicial é muito positiva, mas se o projeto for mal pensado e realizado, o resultado final é muito ruim não só para a bicicleta, mas também para outros não-motorizados.
A segurança de ciclistas
Fatos e considerações sobre a segurança de ciclistas:
1. Todo ciclista tende a manter a inércia da bicicleta, ou seja, a não diminuir muito a velocidade ou parar.
2. Praticamente todos os acidentes (95% - UNESCO) envolvendo ciclistas acontecem em cruzamentos.
3. Mais da metade das mortes de ciclistas é resultado de colisão frontal.
4. Mais de 50% dos acidentes envolvendo bicicletas têm como responsável o próprio ciclista.
5. 90% do total dos acidentes de trânsito são causados por falha humana.
6. Calcula-se que algo entre 10 a 15% das mortes de ciclistas no Brasil são causadas por falha mecânica da bicicleta.
7. O índice de ciclistas que sofrem colisões por trás é muito baixo e, percentualmente, as lesões são menores que em colisões frontais ou laterais.
8. Boa parte dos acidentes é causada porque o motorista não conseguiu visualizar o ciclista.
9. Não há melhoria de segurança se o ciclista não tiver uma condução segura da bicicleta. O ciclista tem que usar e conduzir a bicicleta como uma bicicleta e não como um veículo motorizado. Educação é prioridade, fundamental para evitar acidentes.
10. É condição básica para a segurança do ciclista que o sistema de trânsito esteja integrado com a realidade do veículo bicicleta, assim como para o convívio com o cidadão ciclista e outros não-motorizados.
11. A forma técnica mais eficiente para diminuir o alto índice de acidentes envolvendo ciclistas em esquinas, é através de sinalização vertical, horizontal e semafórica, e de pequenas canalizações para bicicletas, quando necessárias.
12. Há uma generalizada distorção em nossa sociedade sobre o que deve ser segurança no trânsito para ciclistas. São feitas comparações inocentes com países e cidades onde a bicicleta faz parte do trânsito há muitas décadas, ou até mais de um século.
A segurança de ciclovias
Fatos e considerações sobre a segurança de ciclovias:
1. A ciclovia evita que o ciclista seja espremido pelo motorista contra o meio-fio ou qualquer outro obstáculo. Evita também que ele sofra colisão por trás. (Mas, vale a pena lembrar que há o artigo 201 do Código de Trânsito Brasileiro que obriga qualquer condutor de veículo motorizado a manter 1,5 metro de distância do ciclista em ultrapassagens.)
2. Ciclovia exerce forte imagem como incremento de segurança para o ciclista.
3. É impossível construir uma ciclovia sem cruzamentos e a maioria dos acidentes envolvendo ciclistas ocorrem em cruzamentos.
4. Colisão frontal entre ciclistas é acidente relativamente comum em ciclovias de dupla mão de direção.
5. Mesmo em países europeus, há problemas de invasões de veículos motorizados em ciclovias, em especial motocicletas e ciclomotores.
6. Por causa da falta de calçadas é comum ver pedestres usando ciclovias como seu espaço, o que gera conflito e acidentes.
7. É comum o atropelamento do pedestre em ciclovias. Ciclovias não têm a característica "hostil" de uma rua ou avenida, além do mais a bicicleta é silenciosa e difícil de ser percebida. Já a via para veículos motorizados, tende a ser percebida e respeitada pelo pedestre. Há várias razões para tanto, uma delas é porque os veículos são barulhentos e podem ser ouvidos de longe.
8. "Sem ciclovia não há segurança para o ciclista", é discurso comum que não raro acaba inviabilizando a implementação de melhorias mais simples, baratas e eficientes para a segurança e conforto do ciclista.
Sobre a introdução da ciclovia
Considerações sobre a introdução da ciclovia
1. É crucial pensar qualquer obra viária voltada para o ciclista de forma integrada com o meio ambiente, os locais de interesse e outros modos de transporte, motorizados ou não.
2. A segurança no trânsito para ciclistas deve estar fundamentada em um sistema cicloviário no qual sejam consideradas todas as opções possíveis e pertinentes às peculiaridades locais - trânsito compartilhado, faixas para ciclistas, ciclovias, ou até simplesmente não fazer nada.
3. Dependendo do contexto, ciclovia pode ou não ser a melhor opção. O que importa mesmo é que o ciclista sinta segurança sem perder o prazer de pedalar.
4. Ciclovia deve ser alimentada de ciclistas, senão é gasto inútil. O interessante é que o ciclista consiga acessar a ciclovia pedalando por caminhos seguros.
5. Toda ciclovia tem cruzamentos, portanto necessita de semáforos. O problema de custo dos semáforos, não é o único ponto crítico. O sistema semafórico integrado à ciclovia só funciona se houver uma correção geral de tempos em todo o sistema semafórico já existente. É uma decisão política de peso.
6. Com o ciclista integrado ao tráfego e longe de vias saturadas ou de trânsito rápido, o semáforo vale para todos e os custos gerais caem.
7. Mesmo sendo possível a melhor condição de implantação da ciclovia, ainda há o problema que ela segrega o ciclista do trafego de veículos motorizados, o que não raro, significa distanciá-lo do olhar de motoristas e motociclistas, o que acaba se transformando em mais um elemento de risco de acidentes, principalmente em esquinas.
8. O perfil irregular do traçado urbano e a topografia de nossas cidades dificultam a implantação de ciclovias.
9. Normalmente, onde há saturação de veículos motorizados - vias expressas, avenidas e outras vias preferenciais - é onde seriam os melhores trajetos para ciclistas. O problema técnico de implantar ciclovias nestas vias está na diferença de velocidade entre o ciclista e motoristas nas esquinas, acessos e cruzamentos. Há ainda a questão ambiental de baixa qualidade comum a locais onde há excesso de veículos motorizados.
10. Criada uma ciclovia, onde colocar as vagas de estacionamento que desaparecerão com o espaço ganho pela ciclovia?
11. Ciclovia de canteiro central em avenidas é questionável em termos de segurança para o ciclista. Por um lado, o faz cruzar uma via de trânsito intenso para alcançar sua segurança, o que constitui um contra-senso. Estas travessias podem ser feitas junto às faixas de pedestres, o que pode criar problemas tanto para pedestres como para o próprio ciclista. Mas, tem a vantagem de permitir fluxo mais rápido para o ciclista pela diminuição de interferências, como acessos de garagens e esquinas. Em compensação há o problema causado pelas convergências à esquerda e ou retorno dos automóveis, além do possível fechamento do fluxo da ciclovia por veículos que não conseguiram cruzar a avenida.
12. Numa ciclovia de canteiro central de avenida, o ciclista irá pedalar na pior condição de salubridade, já que está no centro de intensa poluição sonora e do ar.
13. Ciclovias são recomendáveis em estradas que estejam em área urbana.
14. A experiência internacional mostra que a ciclovia criada gera demanda. Mas a mesma experiência demonstra que a ciclovia por si só não se sustenta. Ela necessita de um sistema de alimentação de ciclistas, seu uso deve ser constantemente incentivado, suas falhas corrigidas, suas qualidades mantidas e periodicamente revistas. Do contrário sua implementação será gasto inútil e dinheiro jogado fora. Ciclovia não faz milagres, é simplesmente uma das opções técnicas disponíveis.