segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

VIOLÊNCIA NO TRÂNSITO GERA GASTOS DE R$ 28 BILHÕES

No mínimo quatro pessoas por hora morrem nas estradas, ruas, avenidas do Brasil. São cem por dia. O Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) estima que foram 32.465 mortos em 2008. Já o Ministério da Saúde tem outro número: 37.585.

Mas a conta pode ser bem maior. O especialista fez o cálculo a partir dos casos de mortes em que foi pedido o DPVAT, o seguro obrigatório pago a vítimas de trânsito: “É o que eu chamo de genocídio sobre rodas. São 62 mil mortos, na nossa avaliação, por ano, em acidentes de trânsito no Brasil”, diz Sílvio Médici.

Álcool

Em Belém, no Pará, na mesma sexta-feira à noite, jovens bebem num posto de gasolina. Uma moça termina uma garrafa de coquetel de vodka, pega o carro e sai. É seguida por nossos produtores. “Não bebi antes de dirigir. Tenho certeza absoluta”, garante ela

De acordo com o especialista, o álcool é a principal causa de morte no trânsito do país. Há cinco anos. Orlando Silva tenta retomar a vida, com a coluna lesionada. “Fiquei três meses e 11 dias no hospital. A cirurgia que eu fiz custou R$ 47 mil.”

Tratar feridos é apenas parte do custo de R$ 28 bilhões por ano que o país tem por causa da violência no trânsito. E Orlando diz que o amigo que dirigia o carro na hora em que sofreu o acidente continua a beber e dirigir. A profissão dele: motorista de caminhão.

Um ano e meio depois de entrar em vigor, a Lei Seca produziu resultados fortes no Rio de Janeiro, onde a fiscalização é constante. Em 2009, o número de mortos e feridos no trânsito do Rio de Janeiro caiu quase 30%. Foram 3,7 mil vítimas a menos.

Cansaço

“É muito comum, em um feriado prolongado, por exemplo, a gente ver a pessoa que passou o dia inteiro trabalhando, chega em casa, junta a família, já está esgotada, bota toda a tralha dentro do carro e depois vai pegar horas de trânsito. As consequências vão aparecer. Fora aqueles que trabalham na estrada que vivem em regime de escravidão”, diz Rodolfo Rizzotto.

A pedido do "Fantástico", Silvério Garbuio, do Instituto do Sono de São Paulo, avaliou os caminhoneiros. “Paro para descansar umas duas horas, duas horas e pouco. E volto a dirigir por umas 17 horas, 18 horas sem parar”, admite o caminhoneiro Adelmo Jung. “Vim de Mato Grosso do Sul. Foram umas 19 horas direto”, diz o também caminhoneiro André Oliveira Bispo.

Desrespeito

Em São Paulo, uma viagem com o piloto César Urnhani e com José Aurélio Ramalho, especialista do centro de experimentação e segurança viária, mostra os perigos nas estradas paulistas.

“Se você olhar aquele carro ali na frente, ele está vindo na contramão para querer atravessar aqui. Na verdade, ele teria que ter continuado nessa via, procurado um retorno pra poder entrar”, mostra o piloto César Urnhani.

“Dirigindo o carro com uma mão só, a mão direita está sobre o volante, ou seja, se ele precisar fazer um desvio de emergência,vai perder o carro de controle. A posição correta é com as duas mãos no volante."

"Quem provoca a morte, o acidente com morte, em regra, é a imprudência do motorista: 4% apenas das mortes que acontecem no país em rodovias federais aconteceram em estradas esburacadas. E 96% das mortes acontecem em pistas com trecho bom", diz Alexandre Castilho, da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

Excesso de velocidade

Um teste com um radar móvel mostra como os motoristas são imprudentes quando acham que não estão sendo vigiados. Em uma avenida da Zona Oeste do Rio de Janeiro, os carros reduzem a velocidade, alguns até em cima da hora. Posicionamos o radar 500 metros adiante.

"Passado o risco de multa, o motorista acelera mais ainda, que é para compensar aquele período que perdeu, aquele espaço de tempo que ele diminui a velocidade, causando mais riscos de acidente na frente", diz Médici.

Em maio do ano passado, um deputado estadual foi o responsável pela morte de dois rapazes. Fernando Carli Filho dirigia embriagado, de madrugada, num bairro de Curitiba, avançou o sinal a 170 km/h e bateu no carro que conduzia os jovens.

Carli Filho tinha perdido o direito de dirigir por causa de 30 infrações, 23 delas por excesso de velocidade. O deputado foi indiciado por duplo homicídio. O julgamento está marcado para o mês que vem. O deputado responde o processo em liberdade.

Punição

“Quando ela tinha 9 anos, escreveu ‘Eu amo a vida’”, lembra Roni Barbosa, pai de uma vítima da imprudência no trânsito.

A vida dela terminou aos 15 anos. A saudade não diminui, mas o pai pode afirmar: “No caso da Juliana, eu posso dizer que houve Justiça, não houve impunidade”.

Juliana foi morta em uma via expressa em Florianópolis. O carro no qual ela estava com o namorado foi atingido por outro, que disputava um racha.

“O principal fator pra conseguir uma condenação foi a mobilização popular. A participação da população em atos públicos, mostrando indignação e também exigindo a punição dos culpados”.

Levados a júri popular, os dois rapazes que disputavam o racha foram os primeiros, na história do Brasil, a ir para a cadeia condenados por crime de trânsito. “Punir é uma forma de educar. No trânsito, nós temos que punir para educar”.

Mas a cadeia para criminosos do trânsito ainda é rara no Brasil. “É recurso mais recurso, ficam cinco anos no processo, e quando vai a julgamento, aí você tem que pagar cem cestas básicas; matou cinco pessoas de uma família, e ele paga isso aí, cem cestas básicas, e está solto", diz Médici.

Fiscalização

A morte de Juliana levou à instalação de nove radares fixos, os chamados pardais, ao longo de oito quilômetros da avenida.

“Antes da instalação, nós tínhamos para cada 10 mil veículos que circulavam, 2 mil infrações de avanço de sinal vermelho ou de excesso de velocidade. Hoje essa estatística caiu para 3 em cada 10 mil”, compara o presidente do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis, Átila Rocha dos Santos.

O número de mortes caiu 90%. Também em Santa Catarina, um exemplo contrário. Uma lei mandou tirar os radares das rodovias estaduais, por entender que os “pardais” eram uma indústria de multas.

“Nós tínhamos reduzido em 72% por cento as mortes. Com a retirada deles, tivemos um aumento de 50% nas mortes”, informa o comandante da Polícia Rodoviária Estadual de Santa Catarina, coronel Paulo Moukarzel.

Nos 3,8 mil quilômetros de rodovias estaduais de Santa Catarina havia apenas 20 radares, que estavam nos trechos mais perigosos. Agora eles podem ser substituídos pelos portáteis, mas é preciso mobilizar pelo menos cinco policias para cada aparelho.

Nas 24 horas do dia, são necessários cerca de 60% do efetivo da Policia Rodoviária Estadual para operar os aparelhos.

Exterior

No Japão, o índice de mortes por 100 mil habitantes é de 4,72. Na Alemanha, 5,45; França, quase sete; Itália, 8,68. Nos Estados Unidos, o índice passa de 12. No Brasil, salta para 17. Os números em outros países nem sempre foram bons.

As melhoras foram conquistadas. Nos últimos seis anos, o número de mortos nas rodovias italianas caiu 46%. Na França diminuiu 44%. Na Itália, foram espalhadas câmeras especiais que medem a velocidade média dos carros e colocado muito asfalto antichuva, que evita a derrapagem. Na França, alem das câmeras que flagram o excesso de velocidade, foi feita uma grande campanha de conscientização. Nos dois países, o limite de velocidade é de 130 km/h.

Um dado espantoso vem da Alemanha: o número de mortos nas estradas em 2009 foi o mais baixo desde 1950. Isso em um país que não tem limite de velocidade em 45% das rodovias. As razões são a excelente qualidade das pistas e o extremo respeito dos alemães pela sinalização.

Rigor contra o álcool

Em um bairro boêmio de Tóquio, todas as noites, principalmente depois da meia-noite, há muito movimento. As pessoas saindo dos bares, as ruas lotadas, mas repare: praticamente só tem táxis. Os japoneses bebem, mas não se arriscam a dirigir. É que as leis são extremamente rigorosas.

Quem dirigir depois de alguns goles pode pegar cinco anos de cadeia. Os acompanhantes podem ficar presos até três anos. Resultado: as mortes no trânsito no Japão caem há nove anos seguidos. Em 2009, morreu mais gente andando de bicicleta no Japão do que em acidentes com motoristas bêbados.

Entre os países desenvolvidos, os Estados Unidos têm um dos índices mais altos de morte per capita nas estradas. Mas esses números vêm caindo. Em 2009, pela primeira, vez ficou abaixo de 40 mil mortos. O principal motivo é o rigor contra os motoristas alcoolizados.

A cada ano, cerca de 1,5 milhão de americanos são presos por dirigirem embriagados, perdem a licença e, se tiverem antecedentes, vão para cadeia. No estado de Nova York, a pena de prisão é automática se houver alguma criança no veículo. Desde 1980, quando as primeiras leis contra os motoristas embriagados foram adotadas, o número de mortes causadas por eles caiu pela metade.

Globo.com

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