domingo, 23 de março de 2008

"Flanelinhas" loteiam Cuiabá


Cuiabá foi loteada pelos guardadores de carro, também conhecidos como "flanelinhas". Os pontos mais concorridos foram "tercerizados" e ocupar uma vaga pode custar ao motorista entre R$ 1 e R$ 10. Os pontos mais disputados e caros estão localizados próximo a bares, restaurantes, shoppings e casas noturnas. Quem não aceita pagar o valor "tabelado" da vaga só tem uma opção: tirar o veículo da via pública, caso não queira correr o risco de ter a pintura avariada ou algum prejuízo maior. Em alguns pontos os "guardadores" são movidos à álcool, e não se separam da garrafinha de cachaça. Agressivos e mal encarados, administram o negócio lucrativo movido pelo medo que a população tem da categoria. "Só pago porque tenho medo", este é o refrão de quem se sente coagido pela "máfia dos guardadores" que pode arrecadar entre R$ 50 e R$ 150 por noite, em cada ponto.

Somente em duas quadras da avenida Getúlio Vargas, próximo a praça Santos Dumont e a igreja Mãe dos Homens, a reportagem contou 15 guardadores na noite de quarta-feira (19). Entre eles adolescentes e homens bem apresentados, os "guardadores" de vagas ou sócios de pontos. Alcoolizados ou não o objetivo é só um: tirar dos proprietários de veículos o dinheiro por "olhar" o patrimônio. Mesmo não usando abertamente a frase: "quer que cuide ou quer que estrague", a mensagem é entendida pela comunidade. Quem não encontra estacionamento seguro acaba refém dos guardadores e paga o valor de "tabela", sem qualquer garantia de receber o dinheiro de volta caso o carro seja roubado, riscado ou arrombado.

O delegado Fausto José Freitas da Silva, adjunto da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) recomenda não pagar. Ele mesmo diz que não paga por vagas, e nem precisa se identificar como delegado. Ele acredita que a partir do momento em que as pessoas deixarem de pagar, os "guardadores" serão obrigados a achar outra ocupação. Quando é abordado argumenta que a rua é pública e que não precisa pagar para estacionar ali. Mas reconhece que no caso de homens, é mais fácil o flanelinha recuar. Já quando se trata de mulher ou grupo de mulheres, a abordagem é mais ostensiva e realmente a intimidação por parte dos "donos das vagas" é maior.

Crimes - Fausto é o delegado responsável por investigar a morte do guardador de carros Alcides Rodrigues Ferreira de Lima, 18, o "Gordinho" morto com golpes de faca na barriga durante uma disputa por ponto de atuação na noite do domingo (11). O crime aconteceu por volta das 19h, próximo ao cruzamento das avenidas Tenente-Coronel Duarte (Prainha), com Dom Bosco. Tanto vítima quando criminoso estariam disputando a arrecadação do ponto de guardador, utilizado por fiéis que freqüentam as missas da igreja Nossa Senhora Auxiliadora. O delegado assegura que o assassino foi outro guardador de carro, já identificado. Tanto a vítima como assassino integrariam dois grupos distintos que lotearam a área em torno da igreja e do ginásio São Gonçalo para atuação durante as missas e festas.

Este não seria o único crime resultante da disputa de vagas na região. No dia 5 de janeiro outro guardador, o "Cebola", foi executado com facadas na barriga e golpes de barra de ferro na cabeça. Três andarilhos que dividiam com ele em uma casa abandonada, foram presos ainda embriagados. O motivo do assassinato seria a partilha de dinheiro arrecadado por "Cebola" nas vagas em torno da igreja.

Hoje quem ocupa o ponto do falecido "Cebola" é o guardador Paulo, 24 anos. Ele já está na área há mais de 10 anos e diz que as pessoas pagam para usar as 38 a 40 vagas porque confiam no trabalho dele. Nega qualquer tipo de intimidação e diz que cobra entre R$ 1 e R$ 2 para "olhar" os veículos. Quando chove ainda leva o guarda-chuvas para dar mais "conforto" aos clientes que não precisam se molhar. Trabalha todas as noites, em missas, casamentos e festas. De dia trabalha em um lava-jato e recebe R$ 20. Mas a noite, como "guardador", o faturamento pode render entre R$ 40 e R$ 70. Tanto que já chamou o amigo Eloir, 40, para ajudá-lo e vai pagar um percentual dos lucros.

Eloir também é companheiro de albergue de Paulo, os dois são "hospedes" do programa Abordagem Solidária, da prefeitura de Cuiabá. Eloir foi atropelado por um ônibus e em decorrência de uma fratura exposta, acabou não podendo mais trabalhar. Não tem direito a aposentadoria e sobrevive graças ao que arrecada como guardador. Atua mesmo usando bengala e deixou o antigo ponto na região do CPA para trabalhar junto com Paulo, no colégio São Gonçalo.

Os dois negam que usam armas ou coagem as pessoas a pagar. "Se a pessoa não tiver o dinheiro hoje, paga na semana que vem os dois dias, não tem problema", mostrando que como a clientela das missas é praticamente a mesma, tem como exigir "fidelização" dos clientes. Paulo, que trabalha ingerindo pinga, inclusive sugeriu a reportagem, que seria bom que a prefeitura providenciasse um crachá com foto e um colete para que ele e os "amigos" trabalhassem com mais segurança. Depois de contar o quanto ganhou em no máximo 3 horas seguiu para o albergue, acompanhado da namorada e do amigo.

Enquanto a equipe da reportagem estava aguardando o final da missa carismática, presenciou a briga entre dois guardadores, porque um deles tentou receber o dinheiro do cliente antes do dono do ponto. Os fiéis, intimidados com a presença dos guardadores, dizem que pagam sim, não por gratidão, mas medo, já que todas as semanas voltam e se deparam com os mesmos homens tomando conta da rua.

Se Paulo não se incomodou de falar do trabalho, não é o mesmo que ocorre quando se aborda os "guardadores" que atuam em uma das vias mais disputadas pelo segmento. Em torno do restaurante Getúlio e da Boate Café Cancun o custo de uma vaga na rua pode variar de R$ 5 a R$ 10. De poucas palavras os dois homens que estão na área há mais de três anos dizem que sustentam as famílias com o que ganham nas noites como "guardadores". Dizem que cobram R$ 3 por veículo, se a pessoa "quiser" pagar. Confirmam que o "ponto" é de outra pessoa que mora na região e que pagam "uma parte" para ele. Garantem que não correm o risco de ter a área invadida já que os outros "respeitam" o espaço conquistado.

Mas a versão é contestada por frequentadores das casas noturnas. As mulheres se dizem mais coagidas e garantem que os tais "guardadores" fazem a abordagem ostensivamente e dão a opção delas pagarem R$ 5 adiantado ou R$ 7 ao sair. Dependendo da quantidade de vagas, o valor pode chegar a R$ 10. Tem até recibo feito por eles. Quem não aceita o valor acaba acuado e prefere tirar o carro do local. Todas as ruas são loteadas e não tem para onde escapar, já que o preço na região é tabelado. O pior é que muitos clientes não carregam dinheiro e pagam as contas com cartão de crédito ou débito. Isto obriga quem sai a noite carregar o dinheiro para os flanelinhas se não quiser ter problemas.

O mesmo acontece ao longo da avenida Rubens de Mendonça (CPA). O estudante de direito T.M., 22, optou por deixar o carro mais distante do local de trabalho, próximo a Superintendência da Polícia Federal para evitar conflitos com os guardadores. Eles cobram R$ 5 pela vaga e ameaçam abertamente quem não paga. Ele desistiu de fazer queixa contra o "guardador" pois sabe que vai ter que voltar todos os dias para o local e vai encontrar com ele.

Denúncia - O comandante do Policiamento Militar de Cuiabá, coronel PM Osmar Lino Farias disse que a polícia só pode agir e prender os flanelinhas se estiverem em flagrante delito. Ou portando armas ou com mandado de prisão expedidos contra eles. Caso contrário, dependem da denúncia da vítima que se sente ameaçada ou coagida. "Mas após chamar a PM o dono do veículo precisa ir até a Delegacia e formalizar a queixa de ameaça, senão o acusado é liberado", argumenta.

O diretor de trânsito da Secretaria Municipal de Trânsito e Transporte (SMTU), Dativo Rodrigues da Silva Sobrinho disse que a prefeitura não tem poder de polícia para coibir a ação dos flanelinhas. Confirma que a SMTU já recebeu denúncias da atuação de grupos, principalmente no período noturno. "Mas justamente neste horários não temos agentes de trânsito trabalhando. Mesmo que tivesse, eles não teriam respaldo para impedir que estes homens ficassem nos locais", assegurou.
A Gazeta

2 comentários:

Anônimo disse...

Neste local citado na matéria - proximidades da Praça Santos Dumont - não é só os flanelinhas que loteiam a área não... A casa noturna Café Cancun fecha com cones toda a proximidade de sua boate para fazer embraque e desembarque e cobra R$ 13,00 dos clientes para estacionar seu carro. É um absurdo!

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.