sábado, 24 de maio de 2008

Uma puta no Banco do Brasil

Blog do Zaviasky

Pensei muito antes de publicar este artigo. Relutei por causa da palavra “puta” que, embora corriqueira hoje, ainda dá um susto enorme em muita gente até esclarecida.

Mudei para “prostituta”, mas não traduz a essência do fato. Aquela sensação de murro na boca do estômago. Certo dia, um amigo me sugeriu a seguinte frase: “profissional do sexo”. Muito religiosa, mas pouco eficaz para o impacto que sempre procurei para este importante assunto.

Certo dia de minha juventude, conversava com um sério pastor de igreja presbiteriana, um estudioso da palavra de Deus, considerado hoje como um evangélico, numa mesa velha, torta e estragada, escorada com um caixote de querosene, numa dessas zonas ou cabarés do baixíssimo meretrício, de ponta de rua, nos confins do Judas, prá lá, bem prá lá do Coxipó da Ponte.

Depois da terceira caipirinha, o pastor crente me deu dois conselhos. O primeiro, não “ficar” com nenhuma daquelas raparigas, palavra feia da época, e a segunda, colocar o título nesta matéria da seguinte maneira: “Dançarina de boate no Banco do Brasil”. E evitar deitar-se com uma daquelas todas nuas presentes, pois seria a condenação ao inferno.

E foi além. Disse que aquele “inferno” tinha um nome: “Doença de rua”. Os cientistas ainda não haviam inventado a AIDS. Que eu procurasse outras no centro da cidade, no alto meretrício. Ali, apenas para beber e jogar a conversa fora... Valeu o conselho, mas não encontrei mesmo aquele “Tchan”, aquele título-“cheguei” para esta minha história-registro.

Recebi até defesas de teses pela Internet, agora modernamente. Inclusive, a que reuniu o maior número de cartas, telefonemas, sedex, fotos, conferências, debates, palestras, e-mails entre outros... E que foi: “Meretriz no Banco do Brasil”.

Porém, como já escrevi inúmeros artigos sobre o baixo meretrício do Bairro do Baú Sereno, sendo que o alto ficava sempre no centro de Cuiabá com a diferença do luxo apenas e que me rendeu dores de cabeça na época de meu curso ginasial que até cheguei a repetir a terceira série por causa de uma moça, minha professora, que o governador Ponce de Arruda trouxera das praias cariocas e que pensou que o artigo fora para ela.

Nunca mais me afinei com o título “baixo” e “alto” meretrício.

Hoje, de repente, vejo o Jô Soares dar aulas à nação inteira sobre como descobrir o ponto “G”, feminino e masculino, ao vivo e sem raios-X. As novelas ensinando que atores devem ser neuróticos, saberem gritar o tempo todo nas novelas, serem filhotes de pais adotivos e como fazerem sexo sem suar.

A TV Globo até suspendeu a transmissão do futebol daqui, substituindo-o por filmes de quinta categoria, todos pornográficos explícitos, na certeza de que nesta taba não há líderes. Até a TV a Cabo daqui cuja matriz é no nordeste, debocha da gente daqui não incluindo no pacote básico o canal Sport TV, como o faz no resto do país de homens. Tal canal é o único que, de quando em vez, nos brinda com bons espetáculos. Combatem o monopólio, menos do circo Globo. A esperança é a Justiça daqui que nunca falha.

De pouco a pouco, a palavra “puta” ficou santificada, inocente, pequenina. Com o sacramento de o jornal nacional afirmar recentemente que “aquele assassino nunca foi um filho da puta e sim filho de um político”, percebi que chegou a hora de publicar este artigo antes que a palavra “puta” e o seu verdadeiro significado sejam proibidos de ser pronunciados em vão pela santidade que representa nos dias atuais.

Justificado o “impacto” do título desta matéria, vamos ao fato.

Ano: 1967.

Local: agência centro do Banco do Brasil em Cuiabá. Até hoje não sei o porquê da palavra “centro” ou “central” se havia apenas essa agência nesta região de Mato Grosso inteiro. A outra, um posto apenas, ficava em Campo Grande que ainda pertencia a Mato Grosso não dividido.

Eu, funcionário concursado em 1963. Foi só tomar posse e estourou a revolução militar que arrebentou com os civis. E como o Banco do Brasil representava o sucesso intelectual e financeiro da nação civil brasileira, como o é até hoje, foi o primeiro a ser destruído e desmoralizado para a alegria dos bancos privados internacionais que deitam e rolam nessa imbecilidade de quatro generais que se transformaram em políticos à revelia das tropas de verdade e que jamais representaram ou representam a lucidez das forças armadas do Brasil.

Afundaram o banco e os militares. Agora, agüentam o Lula “civil” sucateando-os. Até começam, os militares, a imitarem os políticos. Acaba de estourar um escândalo dentro das forças armadas onde alguns oficiais acabam de ser descobertos em desvios de verbas para militares-oficiais aposentados. Milhões de reais. Desviados pela cúpula militar brasileira para eles mesmos... Pena.

E eu que apenas entrei no BB para arranjar uma namorada. Magro, “branquelo”, pobre em terra morena, ninguém me olhava mesmo. Foi só “entrar” no BB que na mesma semana andei ao vivo, de mãos dadas com uma garota do “sexo feminino” de verdade, ao vivo e à cores. Rumo ao Cine Teatro Cuiabá para o lançamento do filme “Dio como Ti amo”.

Certo dia de expediente normal no Banco do Brasil cuja agência ficava estacionada bem ali na esquina do Jardim Alencastro com a Avenida Vargas, fundos da Igreja da Matriz. Barulho ensurdecedor das máquinas de datilografia, das máquinas de somar à manivela e com aquela campainha estridente, o batuque assustador daqueles carimbos que os funcionários socavam com força em cima de uma mesa de madeira; o "ronque-ronque" dos telefones à manivela, o sino do inspetor, o zum-zum incrível dos funcionários, calor de 40 graus e aquela zoeira dos ventiladores gigantes que apenas assopravam o calor de um canto para outro; os gritos do gerente Custódio Coelho pedindo café para cliente importante, o povo gritando que queria apenas ver a conta naqueles papelões coloridos e enormes; o grito de socorro de uma moça que sempre desmaiava para chamar as atenções dos funcionários solteiros que eram considerados partidos casamenteiros de altíssimo grau...

De quando em vez, corríamos para as ruas centrais de Cuiabá para respirar aquele silêncio absoluto. Nenhum carro naquelas 15 horas na Cuiabá antiga. Após o descanso de alguns minutos, retornávamos ao centro do inferno ruidoso.

Num desses dias, surge bem na porta daquele nosocômio a figura de uma mulher. Mulher, não. Um verdadeiro atentado à segurança nacional.

Um metro e oitenta de altura. Branquíssima. Loira... Numa época em que loiras em Cuiabá, apenas nos filmes do Cine Teatro Cuiabá. Super maquiada. Lábios vermelhos como o próprio inferno. Maçãs do rosto, isto me lembro, super avermelhadas que contrastavam com o negro nas sombras nos olhos. Olhos verdes ou azuis, sei lá, a micro saia onde todos viam quase tudo, após torneadas pernas que seguravam nossos olhos com força. Os seios... O vestido entre os seios e, digamos, suas pernas, enfim, entre o Céu e a Terra, não tinha mais que um palmo naqueles fantásticos um metro e oitenta bem distribuídos.

Aquele símbolo do planeta Terra, andou. Entrou no banco. Eu nunca "vi" um silêncio tão fantástico como aquele. Um grande amigo do BB me disse que nem quando ele entrou em coma alcoólico profundo que quase o levou, o silêncio do mundo dos mortos nem chegou perto daquele silêncio "visual". Até os ventiladores rodavam em silêncio absoluto.

O gerente geral saiu de sua sala para verificar o que acontecera. Nem chegou a pronunciar a frase inteira “Que é que está acontecen...?”, levou um tapa tão silencioso quanto forte que necessitou de tratamento psiquiátrico por deslocamento do maxilar, por muito tempo.

Era a deusa da noite cuiabana de nossa história mais história, caprichosa e irreverente. Era Carminha. Dona de várias casas que eram cabarés, hoje denominados boates da criançada. Situavam-se no bairro Baú Sereno cujo “sereno” já confere o status do horário das madrugadas de nossos orvalhos cuiabanos em que funcionavam a todo o vapor. A maioria dos presentes sempre a viram, a vida inteira, apenas à noite, naquelas luzes-penumbras vermelhas e sem roupas desfilando pelas mesas de seus cabarés famosos.

Havia carimbo no ar, parados sem caírem. Cigarros cujas cinzas teimavam em não cair de dentro das bocas queimadas dos fumantes. Máquinas de datilografia funcionando sozinhas e silenciosas sem ninguém as tocando. Os sinos da catedral balançavam, mas o badalo nem se atrevia a encostar nas paredes do sino silencioso. A moça que sempre desmaiava estatelou-se no chão, pois ninguém a segurou.

O maior silêncio jamais "visto" por mim no planeta Terra. E olhem que eu era “viajado”, já conhecia Chapada, Capela do Piçarrão, Bonsucesso e até Livramento(MT). Nunca pelas minhas andanças daquela vida, vi algo assim.

Ela entrou. Foi até a sala da gerência. Silêncio absoluto. Saiu. Entrou no único automóvel presente na Avenida Vargas e que era o taxi do Vevé. E, sumiu.

O que ela foi fazer, o que fez, o que, como, porque, ninguém nunca perguntou. Era uma época, diferente de hoje quando as putas nunca saiam de seus cabarés, muito menos vestidas para a guerra. À luz do dia.

O dia em que o Banco do Brasil parou. Literalmente. Se os cabarés dela lotaram depois, ou se ela viajou ou não... Se o motivo da visita foi pedido de empréstimo, para ela ou alguém... Já são outras histórias que estão em meu livro. Inclusive o “casamento da puta”.

*

(Pequeno trecho extraído de meu livro “Resgates De Nossa Imprensa” – Escrita, Falada e Televisada. Ainda não publicado por absoluta falta de verba)- ESPECIAL e EXCLUSIVO para este espaço

2 comentários:

Unknown disse...

Eu chorei de rir dessa historia muito bom esse artigo... sou de jatai-Goias, estudande de informatica.
Leonardo vilela
leonardomvilela@hotmail.com

Anônimo disse...

Muito boa história... e essa Carminha ainda existe? Está no ofício ou o que? Qual a sequência dessa história...