segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Crônica das ruas

O seguinte diálogo foi presenciado por diversas pessoas numa movimentada avenida de Cuiabá.

- O Senhor poderia por favor tirar o carro da calçada para que eu possa passar? Diz o cidadão que, numa cadeira de rodas, tenta circular pela estreita calçada.

- O que? Responde o motorista do reluzente carrão.

- O seu carro. Está na calçada e eu não consigo passar. Reclama o cadeirante.

- Ah, dá um tempo vai. Tô esperando minha esposa e aqui é o estacionamento privativo desta locadora de vídeos. Não tá vendo a placa ali ó?

- Meu senhor, seu carro está na calçada, bem na minha frente. Eu preciso chegar em casa logo, pois meu filho está precisando do remédio que vim buscar na farmácia. Faça a gentileza de retirar seu carro e eu irei em paz...

- Oras meu senhor, estou no meu direito de estacionar aqui. Não tá vendo as faixas de estacionamento no chão? Aqui eu possa estacionar, mas não estressa não. Minha esposa já está voltando, então o senhor pode ir embora e para de encher meu saco...

- O Senhor deveria respeitar os direitos das pessoas, principalmente dos deficientes físicos. Onde já se viu. Falta de educação! - Diz uma senhora que passa pelo local e observa a cena. - E digo mais, vou ligar para um conhecido meu na SMTU, ele é coordenador de trânsito e vai mandar os Amarelinhos aqui pra multar o senhor.

- Ahahahahahahahah! Os Amarelinhos? Pode chamar. Eu sou apresentador de televisão! Diz com orgulho. Os Amarelos têm medo de mim... Se me multarem eu falo mal deles no meu programa... Ahahahahahahahah!

Curiosos já se aglomeravam no local e diante do deboche do motorista começaram a hostilizá-lo e vaias surgiram. Um jovem gritou - Chamem a polícia pra ele!

- Podem chamar a polícia se quiserem. Eu sou amigo do comandante geral. Retruca.

O cadeirante, frustado e indignado com a situação, se encolhe em sua cadeira de rodas e nada mais fala. Esse é seu cotidiano, enfrentar as adversidades que uma cidade lhe impõe por ser deficiente físico. Calçadas estreitas, cheias de buracos e imperfeições e sempre com carros e motos pelo caminho.

Porém o que mais entristece o ser humano numa situação destas é o desrespeito dos seus semelhantes. É a falta de compreensão, de compaixão e sem querer ser grosso, é falta de educação mesmo.

- Ah, minha esposa chegou. Olha para o cadeirante e diz. - Vou mudar de locadora, vou procurar uma onde não tenha ninguém para perturbar. Ah, e vou fazer uma matéria em meu programa falando da dificuldade que os motoristas têm em estacionar seus carros em Cuiabá. Então ligou seu carro, deu ré e saiu cantando pneu e reclamando do cadeirante.

Esse é o dia-a-dia do cidadão cuiabano, onde prevalece o EU, o egoísmo centrado. Onde o interesse individual subtrai todo o coletivo. Será que temos esperança de dias melhores?

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Por Silvio Furtado

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