São Paulo, 21 de Janeiro de 2008
A carteira de motorista da enfermeira Lúcia Silva, de 50 anos, ficou por duas décadas guardada na gaveta. Entre ônibus, caminhadas e carona no seu próprio carro, ela evitava o volante como a um de seus piores inimigos. "Em um final de ano, precisava fazer compras para a ceia de Natal e não dava para resolver no mercadinho perto de casa, onde costumava ir a pé. Foi a gota dágua", conta Lúcia, que resolveu procurar tratamento.
A fobia de dirigir é cada vez mais comum e, longe de frescura, é considerada pela medicina uma patologia tal como a síndrome do pânico e o estresse. Os sintomas são semelhantes: coração acelerado, mãos suando, falta de ar. E a sensação de que algo muito ruim vai acontecer. "Tinha medo de bater o carro ou de alguém bater em mim, principalmente ônibus e caminhão. Ficava ansiosa achando que fosse acontecer alguma coisa e eu não conseguiria sair do carro", detalha a enfermeira.
Para os psicólogos é pior que o medo de elevador ou de andar de avião, por exemplo. "A pessoa pode preferir a escada e viajar de ônibus. Mas o medo da direção e do carro o fóbico tem que confrontar a todo momento, pois faz parte do universo cotidiano dele. Convive com o trânsito e vivencia a fobia o tempo todo", explica Raquel Almqzist, psicóloga da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet). "A procura por tratamento é muito grande, em torno de 6 mil pessoas ao ano."
A doença pode aparecer de uma hora para outra, de forma inesperada. Muitas vezes vem de um evento traumático vivido pelo motorista ou alguém próximo ou presenciado por ele, diz Raquel. Mas também pode vir simplesmente de um aprendizado malfeito para tirar a licença de dirigir que gera insegurança na prática, acrescido no estresse natural do tráfego.
A fobia acomete especialmente quem já tirou a carteira de motorista. "Quem nunca dirigiu, mas tem medo, geralmente tem outros motivos, como pavor de equipamento eletrônico ou insegurança de não dirigir direito", explica. O medo se manifesta nas práticas mais simples da direção, como estacionar o carro numa subida, sair da garagem, pegar uma via expressa - associado a experiências negativas anteriores, "como quem sofre um assalto e relembra daquele momento em situações adversas."
O trabalho de medicina de tráfego - e o estudo das novas patologias - é muito recente e pouco estudados nas universidades, segundo Raquel. "A psicologia do trânsito estava restrita ao exame psicotécnico, mas hoje envolve comportamento, cidadania, bem-estar", explica.
Uma das pioneiras nesse caminho é a psicóloga Cecília Bellina, que hoje mantém uma rede de clínicas-escolas com 12 unidades, entre Grande São Paulo, Campinas, Rio Janeiro, Niterói e Belo Horizonte. Assim que fez 18 anos de idade, Cecília tirou licença para dirigir e, craque no volante, ajudava os amigos que ainda não tinham muita habilidade. "No fim das contas, acabava ajudando os pais dos meus amigos e comecei a ver gente que largava o carro na minha mão e saia chorando do carro", conta ela.
Autora do livro "Dirigir sem medo", Cecília afirma que um dos principais causadores do medo - entre os mais de 10 mil clientes já atendidos em sua rede - vem de um ensino ruim das auto-escolas. "Com poucas exceções, as escolas ensinam o aluno a passar no exame de direção. Ele consegue a carteira, mas não sabe dirigir, o que gera muita ansiedade e insegurança", afirma. Também comum é o perfil de aluno perfeccionista, que se comporta com alto padrão de acerto e não consegue ter o mesmo desempenho como motorista, gerando a fobia.
O tratamento consiste basicamente no enfrentamento do problema e identificação das causas, aliado a terapia de grupo ou individual e novas aulas de direção, mesmo já com a licença tirada. Na rede Cecília Bellina, o fóbico determina 10 objetivos -- como conseguir dirigir com tranqüilidade na estrada ou ir ao supermercado de carro - e faz o tratamento conforme as metas. "O prazo médio é de seis meses, mas temos quem sai em dois meses e até um ano", conta.
(Gazeta Mercantil - Maria Luíza Filgueiras)
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